Se há uma parte do aquecimento global que queremos evitar, há uma outra parte que já está acontecendo e não podemos impedir. Só resta nos prepararmos para isso
Por: Caroline Prolo *
Fonte: Estadão – Sustentabilidade
Em 1992, quando a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima foi assinada, a preocupação era evitar a mudança do clima e seus efeitos perversos. O objetivo que consta escrito na Convenção é estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera para um nível que não represente perigo.
Ocorre que, de lá pra cá, fomos nos aproximando cada vez mais deste nível perigoso, e isso já vem trazendo consequências reais e danosas para a vida humana. Sofremos eventos climáticos cada vez mais frequentes, como ciclones e furacões, mas também chuvas torrenciais e inundações costeiras; secas, que por sua vez levam a falta de água, perda da colheita e da fertilidade do solo, incêndios. Os dias quentes são mais constantes, e estão mais quentes do que costumavam ser. Os invernos são mais curtos. Chove mais forte, ou não chove por semanas. Você já percebeu isso.
Esse cenário tende a ficar cada vez mais intenso e imprevisível. Se há uma parte do aquecimento global que queremos evitar, há uma outra parte que já está acontecendo e não podemos impedir. Só resta nos prepararmos para isso.
Esta preparação para os efeitos inevitáveis da mudança do clima se chama “adaptação” no jargão climático. Mas outra palavra importante é resiliência. Estamos falando de construir infraestruturas urbanas e implantar tecnologias que nos permitam resistir melhor a esses eventos. Nas cidades, sistemas inteligentes de drenagem das águas pluviais são um exemplo de infraestrutura para absorver as intensas tempestades e evitar alagamentos.
Além disso, a forma como o planejamento urbano é feito também precisa ser repensada, pois suprimir a vegetação para construir prédios, por exemplo, reduz a permeabilidade do solo e sobrecarrega os sistemas de drenagem urbana.
Sabemos que o Brasil é carente dessa infraestrutura. Nos países mais pobres, a situação é bem pior. A eles não falta apenas a infraestrutura básica – e também os recursos financeiros para implantar essa infraestrutura –, mas a exposição deles aos eventos climáticos muitas vezes é maior. No sul da Ásia quase 40 milhões de pessoas estão reconstruindo suas casas após uma enchente sem precedentes. O furacão Irma destruiu 95% das edificações em Antigua e Barbuda, e milhões de cidadãos de Porto Rico estão ainda esperando restabelecimento de energia.
Por outro lado, adaptação também significa criar alternativas para as perdas econômicas e perdas de recursos naturais que poderão ocorrer em decorrência do aumento do clima. Na Índia, a falta de chuva vem causando seca e infertilidade do solo, afetando o sustento de milhares de famílias que dependem da agricultura. Sem ter outra forma de gerar renda e sem mais esperanças, milhares de agricultores cometeram suicídio. Na África sub-sahariana, 38 milhões de pessoas estão sofrendo com uma seca que dura dois anos consecutivos. Para quem depende da agricultura, a mudança do clima é uma ameaça real e assustadora. Como se preparar para isso?
É por esses motivos que, 23 anos depois da Convenção do Clima, o Acordo de Paris incorporou oficialmente mais um objetivo no regime internacional de combate à mudança do clima: melhorar a capacidade de adaptação aos efeitos do clima e promover resiliência ao clima.
No Acordo de Paris, o desafio está sendo como identificar os problemas específicos de adaptação que os países em desenvolvimento sofrem, e como viabilizar suporte internacional para repassar os recursos financeiros, tecnológicos e de capacitação humana para criar resiliência nestes países. Muitos deles têm dificuldades até mesmo com a burocracia para pedir um financiamento; ou seja, produzir os documentos e preencher os formulários com as informações necessárias para obter os recursos junto às instituições financeiras vinculadas à Convenção do Clima.
Refugiados climáticos
Sem suporte internacional, há poucas chances para os países vulneráveis conseguirem efetivamente resistir às mudanças do clima, e aumentam as chances de se perpetuarem as condições precárias de desenvolvimento em que se encontram. Com isso, vamos ver cada vez mais migrações e deslocamentos humanos para outros países, os chamados “refugiados climáticos”.
Situação mais crítica é a das pequenas ilhas do Pacífico, em especial a de Tuvalu, que está literalmente com os anos contados: o conjunto de nove ilhas pode ser consumido pelo oceano antes de 2050. Estamos falando de uma nação inteira que vai perder o seu território e com ele parte da sua identidade cultural e essência. Onde aquelas 10 mil pessoas vão morar? Como reparar um dano como este?
A preocupação com os efeitos perversos do clima que não podem ser mitigados ou adaptados, tais como a situação de Tuvalu, é chamada na Convenção do Clima de “Perdas e Danos”. Este é um termo polêmico, pois sugere que haverá necessidade de alguma indenização ou compensação a estes países pelas perdas sofridas, a ser paga pelos países desenvolvidos – que se industrializaram cedo e, para se desenvolverem, emitiram os gases de efeito estufa que hoje aquecem o planeta e provocam essas mudanças no clima.
Dois anos antes da COP de Paris, foi criado na COP 19, em Varsóvia (Polônia), o Mecanismo Internacional da Varsóvia, para estudar e viabilizar soluções para as perdas causadas pelo clima. Este mecanismo está em fase inicial de implantação, mas o comitê executivo já está se reunindo. E após muita resistência dos países desenvolvidos, a possibilidade de perdas e danos climáticos foi incluída também no artigo oitavo do Acordo de Paris.
Nas discussões, hoje a alternativa mais concreta que está sendo tratada é de criação de um seguro internacional para perdas e danos climáticos. Não sabemos quem vai contribuir fundos para ele ainda, mas o G7 já vem promovendo uma iniciativa em paralelo, a “G7 Initiative on Climate Risk Insurance”.
As mudanças do clima têm um potencial devastador no futuro, mas hoje já afetam de maneira brutal bilhões de vida neste planeta. Precisamos pensar em como sobreviver em um presente e um futuro cada vez mais afetado pelo clima, e planejar nossas cidades, nossas economias, nossas políticas, sob a ótica da adaptação e resiliência ao clima.
Precisamos falar sobre o clima e sobre o planejamento do clima, em todos os segmentos da economia e das políticas públicas. Verifique se o governo da sua cidade e Estado está se preocupando com isso.
* Caroline Prolo é advogada especialista em Direito Ambiental do Stocche Forbes, consultora do International Institute for Environment and Development (IIED) e presta assessoria legal ao grupo dos países menos desenvolvidos.
FOTO: Imagem aérea mostra área inundada em Aguadilla, Porto Rico, após passagem do furacão Maria, no início de outubro. Crédito: Mani Albrecht / US Customs and Border Protection