Berçário natural de peixes, camarões, caranguejos está desaparecendo sem as águas do mar e chuvas

Os pássaros estão indo embora, e a terra seca se assemelha ao chão esturricado do sertão em tempos de longa estiagem, só que, em vez de gado morto, o que se observa ao caminhar pelo manguezal da comunidade do Balbino, em Cascavel, distante 63 quilômetros de Fortaleza, é o rastro da morte de caranguejos, ostras e outras espécies naturais do ecossistema local. A seca atingiu em cheio o berçário, fonte de sobrevivência para 250 famílias que vivem do mangue.

Sem água doce e pouca reserva do mar, o mangue morre fotos: Kid Júnior

O rio secou e a barragem natural das dunas impede a passagem das águas do mar, mesmo durante a maré alta. O cenário é de fazer chorar tanto o nativo quanto o visitante desavisado.

O lugar é Área de Proteção Ambiental (APA) e, por isso mesmo, não pode sofrer nenhuma intervenção humana. A comunidade pede socorro e quer que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) autorize abrir espaço na barragem com uso de trator para facilitar a passagem da água. O órgão embargou a ação dos moradores que chegaram a agir por conta própria. “A gente não tem alternativa. Ou é isso ou é sentar e chorar a morte do mangue”, afirma o pescador Raimundo Nonato Faustino.

A Semace divulgou nota oficial sobre a questão, informando que, de acordo com a legislação, a região de dunas é classificada como Área de Preservação Permanente (APP) e só pode sofrer qualquer tipo de intervenção após o processo autorizado pelo órgão estadual com a devida análise, na qual seja caracterizada a finalidade de utilidade pública da intervenção.

No caso das Áreas de Proteção Ambiental (APA), como o Balbino, esclarece, faz-se necessário a anuência do conselho gestor da unidade de conservação.

Apesar disso, a comunidade luta para conseguir a abertura da barragem. “Está virando um deserto e não podemos ficar vendo isso de braços cruzados”, frisa o comerciante Damião Reis da Silva. Ele conta que a situação é desesperadora e aflige até os mais indiferentes. “Toda noite, os aratus e até caranguejos fogem das tocas em busca de água e comida e chegam até o meio da rua da comunidade e vão morrendo no caminho. É triste”.

Mistura

O biólogo e secretário executivo da Associação Caatinga, Rodrigo Castro, lamenta, mas acaba com as ilusões dos nativos quando explica que a ação que eles querem não vai resolver o problema. “O mangue existe graças à mistura das águas doces e salgada”. As águas trazidas pelos rios contêm grande quantidade de argila e matéria orgânica em suspensão. O contato com a água salgada, aponta, resulta na aglutinação e deposição desse material, formando um solo lodoso, muito húmido, salgado e pouco oxigenado.

Nesse ambiente de águas salobras, indica, uma grande quantidade de micro-organismos decompõe ativamente os restos orgânicos existentes, liberando nutrientes que vão enriquecer as águas costeiras, os quais são aproveitados por inúmeras espécies marinhas, o que torna os manguezais um dos ecossistemas mais produtivos da Terra.

A coordenadora do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Omerzita Barbosa, diz que o problema é sério e que a entidade vai à comunidade para conversar com a população e verificar in loco a situação. “Queremos avaliar para tomarmos uma posição ao lado da comunidade”.

FIQUE POR DENTRO
APA foi criada há 24 anos

A Área de Preservação Ambiental de Balbino foi criada através da Lei Nº 479/88 de 21 de setembro de 1988. A Praia de Balbino fica a 62 Km de Fortaleza e a três Km da Caponga – município de Cascavel. A APA tem 250 hectares formados por dunas, lagoas, manguezais, praia e as diversificações da cobertura vegetal na faixa litorânea.

O lugar era inicialmente recanto de tribos indígenas, até começarem a chegar negros fugindo da escravidão. A miscigenação entre as raças é visível ainda hoje entre seus descendentes. Ali, 250 famílias dependem da pesca artesanal de lagosta, peixes e outros crustáceos, o que corresponde a quase totalidade dos moradores. A barra existente na região é uma reserva de peixes e camarões, que dá sustento a várias famílias do Balbino, Pindoretama, Pratiús, Tijucuçú e Vaca Morta.

Em 1997, a comunidade recebeu o Título da Terra do governo do Estado. Os moradores, que lutam pela sobrevivência no litoral, tem a preocupação com o turismo, que embora ainda em estágio inicial, vem estruturando um turismo ecológico e comunitário, onde os próprios moradores proporcionem locais de hospedagem, alimentação e momentos de lazer.

Areia ´engole´ residências

Os ventos tão característicos dessa época do ano estão contribuindo para que as dunas móveis na praia do Balbino “engulam” casas de veraneio e de nativos. Uma delas é a da família do pescador Francisco da Silva, que foi obrigado a se mudar para não ser soterrado também.

Uma das casas atingidas pelas areias trazidas pelos fortes ventos obrigou as famílias de pescadores a procurar outro abrigo. Foto: Kid Júnior

Amigos de pescaria contam que ele tenta uma autorização da Semace para a remoção das areias, que já invadiram praticamente todo o imóvel. O lado do banheiro, por exemplo, já sumiu. “As areias só podem ser retiradas com essa ordem”, contam, lamentando a demora para uma tomada de decisão. “Entra ano e sai ano e não se resolve nada”, desabafam.

A coordenadora do Conselho da Pastoral do Pescador, Omerzita Barbosa, explica que os ventos são normais para o período, no entanto, particularmente neste ano, eles estão acima do esperado e vêm causando mais estragos. “O pessoal do Balbino já conhece essa ventania, mas agora, eles vieram com uma força a mais e ninguém se preparou”.

Omerzita explica que as dunas podem ser de dois tipos: estacionárias (fixas) e migratórias (móveis). As dunas fixas tornam-se estáveis por vários fatores, sendo que o principal deles é o desenvolvimento de vegetação.

Já as dunas móveis, ressalta, apresentam uma maior movimentação dos grãos de areia. Sua migração é causada pela grande intensidade dos ventos, formando campos de dunas móveis, que se deslocam mesmo encontrando obstáculos. Afirma que, apesar da questão da invasão às casas, a constante troca assimétrica (sem simetria) entre a praia e a duna é um importante processo natural para manter a estabilidade morfológica e a diversidade ecológica.

LÊDA GONÇALVES – REPÓRTER – JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE – 23.10.2012

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1195758

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