Os países da América Latina e do Caribe preveem aumentar a oferta de alimentos, erradicar a forme na região e coordenar a cooperação no Haiti, o país mais ameaçado pela insegurança alimentar da região. Estas são algumas das conclusões da 32ª Conferência Regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para a América Latina e o Caribe, que terminou no dia 30 em Buenos Aires, e que, pela primeira vez, teve participação plena da sociedade civil nas deliberações.
O encontro, que começou no dia 26 de março, contou com representantes de 32 governos, atraídos pelas novas diretrizes da FAO, que permitem maior incidência das regiões no desenho de seus projetos. Além disso, mais de 140 representantes de 75 organizações sociais debateram sobre segurança alimentar antes da reunião, e 35 delas participaram da reunião oficial em igualdade de condições com os delegados governamentais.
Um dos participantes pela sociedade civil, o argentino Ángel Strapazzón, do Movimento Camponês de Santiago del Estero (Mocase), disse à IPS que propuseram debater sobre “soberania alimentar em lugar de segurança alimentar”. Para eles “foi um marco histórico” os governos da região e a FAO aceitarem discutir um conceito como o de soberania alimentar, que se refere não só à segurança do acesso ao alimento como também a “quem produz e como são produzidos”.
Segundo destacou no encerramento da conferência José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, no encontro foram fixadas prioridades regionais para os próximos anos. Neste sentido, um dos primeiros compromissos assumidos é o de apoiar no médio e longo prazos o Haiti, país mais pobre da região, que “precisa reconstruir sua capacidade produtiva”, explicou.
Graziano considera que os atuais projetos isolados que cada país realiza no Haiti “não fazem a diferença”, e pediu que estes programas sejam coordenados a partir da FAO, junto com a participação dos demais países. Acrescentou que os participantes também concordaram em manter ativa a “Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome 2025” e recordou que esta é a primeira região do mundo a adotar este compromisso com data especificada.
Essa estratégia foi lançada na Guatemala em 2005. Desde então foram formadas frentes parlamentares contra a fome e em oito países foram sancionadas leis que reivindicam a alimentação como um direito humano básico. “Esta Iniciativa pertence aos países e deve ser abraçada por governos, parlamentares, setor privado, sociedade civil e acadêmicos, porque a luta contra a fome não pode ser apenas um compromisso do governo”, afirmou o diretor-geral da FAO.
Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), citados por Graziano, mostram que na região há 120 milhões de pessoas que têm garantida a alimentação básica mediante diversos programas do Estado. Trata-se principalmente de planos de transferência direta de renda e outros por meio dos sistemas de segurança social.
Entretanto, recordou que ainda há 53 milhões de pessoas, o equivalente a 10% da população da região, sofrendo fome e desnutrição. Por isto, os delegados governamentais concordaram quanto à necessidade de aumentar a oferta de alimentos e melhorar o acesso a eles e sua distribuição, e concluíram que a agricultura familiar pode ser parte da solução destes problemas.
Graziano falou, também, sobre a urgência de haver convergência da agenda da agricultura e da alimentação com a mudança climática, e alertou para a maior frequência de eventos extremos por esta causa que afetam severamente a região. Furacões no Caribe, seca na América Central e uma sucessão alternada de secas e inundações na América do Sul constituem desafios a serem enfrentados, apontou. “Não podemos evitar a seca, mas a fome sim”, ressaltou.
Graziano também cobrou maior eficiência na produção de alimentos, sobretudo quanto ao uso de pesticidas, fertilizantes e água, este último um recurso cujo manejo continua sendo inadequado, se considerarmos que ainda são necessários 1.500 litros para produzir um quilo de cereal e dez vezes essa quantidade para obter um quilo de carne.
Segundo a FAO, na região há 576 milhões de hectares cultiváveis, que correspondem a 30% do total do mundo. Porém, o manejo não sustentável provoca a degradação do solo e sua contaminação. Os delegados também se mostraram preocupados pelo estrangeiramento de terras. O vice-ministro de Agricultura da Argentina, Lorenzo Basso, revelou que os países da região, que avançaram em leis para limitar esse processo, assessoram os que ainda não as possuem.
Em conversa com a IPS o mexicano Alejandro Flores Nava, diretor da FAO na Argentina, destacou que, com a incorporação de Graziano, primeiro latino-americano a dirigir esta agência, a região ganhou preponderância nos debates. “Não é apenas por ser latino-americano, pois é uma pessoa com particular sensibilidade que lhe permitiu ter muito sucesso em sua estratégia para reduzir a fome no Brasil”, acrescentou Flores, se referindo ao passado de Graziano como membro do gabinete ministerial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), quando ocupou a pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Este Ministério foi responsável por implantar o programa Fome Zero, que dá assistência alimentar e sanitária a milhões de brasileiros.
Flores também afirmou que outro fator de peso é que a América do Sul é uma “potência agroalimentar, com produção excedente que está ajudando a alimentar o mundo, e o faz com uma crescente consciência ambiental”. Esta zona do sul é a que tem “o maior potencial de crescimento” nesta produção e, sobretudo, em agricultura, uma área que contribui com apenas 3% da produção global, mas que tem um amplo campo de expansão, ressaltou.
FONTE: Revista Envolverde/IPS –Inter Press Service – Reportagens – 02/4/2012 – 09h23 – por Marcela Valente
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