por Fernanda B. Müller, do CarbonoBrasil – 29.05.2013

Apesar da sua importância para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas, os predadores de topo de cadeia, como os tubarões, são muitas vezes tidos como vilões e têm sofrido enormemente com as batalhas travadas com o homem. Estimativas indicam que em torno de 90% dos tubarões já sumiram dos oceanos nos últimos anos.

Além da sobrepesca, os encontros raras vezes desastrosos entre humanos e tubarões na área costeira – 64 ataques/ano2 –, têm contribuído muito para esse clima de tensão.

Fábio Hanzin, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco, apresentou o exemplo da cidade de Recife, que registra uma das mais altas taxas de ataques de tubarões por unidade de área do mundo, com 57 acidentes nos últimos 20 anos.

O Programa Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (PROTUBA), em operação desde maio de 2004, com algumas interrupções devido à falta de recursos, tem usado espinhéis de fundo e linhas de espera para manter os animais longe dos banhistas.

Este método é considerado muito mais eficaz do que as redes de emalhar usadas na Austrália e África do Sul, que resultam em altas taxas de mortalidade de tubarões – em sua maioria já ameaçados de extinção – e também de outros animais, como tartarugas.

Com o PROTUBA, a mortalidade combinada de todas as espécies capturadas, excetuando-se os tubarões mais agressivos, foi igual a 21%, com a menor taxa sendo observada entre tartarugas (0%).

“A partir da utilização exclusiva de anzóis circulares [que permitem que o animal continue a nadar], desde maio de 2006 72% de todos os espécimes de tubarões agressivos foram liberados com vida”, coloca Hazin.

Antes do início do PROTUBA2, a taxa de ataque em Recife era em média de 0,289 ao mês. A partir de 2006, durante o período em que o programa esteve ativo, a taxa caiu para 0,038 ataques/mês, e nos meses em que houve a descontinuidade das suas atividades foi de 0,345.

“Esses números indicam, portanto, que a condução do trabalho de pesquisa e monitoramento conseguiu reduzir a incidência de ataques em torno de 89%”, concluiu.

No meio do mar

Longe da costa podemos encontrar ambientes que se aproximam um pouco mais do que seria natural sem a intervenção do homem.

Ainda muito pouco conhecido, o habitat de montes submarinos, se estendendo por 28 milhões de km2 ao redor do globo – mais que todas as florestas tropicais do mundo – apresenta um imenso campo para estudos e aplicação de medidas de gestão.

A Cadeia Vitória Trindade (CVT)3, uma sequência de cerca de 28 montes submarinos pequenos e grandes derivados de antigos vulcões, abrange uma região oceânica com extensão de cerca de mil km no sentido leste-oeste na costa brasileira, com grande importância para a conservação da biodiversidade marinha.

Devido a semelhanças entre as espécies de grandes peixes recifais encontrados na CVT e nas áreas mais externas de Abrolhos, Agnaldo Silva Martins, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo, sugere que a CVT tenha o papel de um corredor ecológico, unindo a margem continental às ilhas oceânicas.

Sendo um importante sítio de desova da tartaruga-verde – cerca de 1,2 mil fêmeas desovam anualmente nas ilhas – e abrigando muitas espécies ameaçadas de extinção em uma “área pequena”, Martins constatou a fragilidade das ilhas da Trindade. Ele alerta que a pesca exerce uma pressão consistente sobre os peixes da região e sugere que a atividade seja banida ao redor das ilhas oceânicas.

Há registro, por exemplo, do desaparecimento do Carcharhinus perezi, o tubarão- bico-fino, muito comum há alguns anos. Em observações feitas em barcos de pesca operando na região, foram constatadas a captura intencional ou incidental de 17 espécies de peixes, sendo sete ameaçadas segundo a IUCN ou o ICMBio3.

Partindo das ilhas da Trindade em direção à costa brasileira se chega a Abrolhos, onde pesquisadores relataram a descoberta do maior banco de rodolitos do mundo. Esses bancos de algas calcárias cobrem quase 21 mil km2 do Banco dos Abrolhos e são responsáveis por 5% da produção mundial de carbonato de cálcio (mineral que forma a carapaça de moluscos e crustáceos e o esqueleto dos corais).

A produção de carbonato de cálcio por recifes coralíneos é similar em magnitude aos fluxos provenientes da produção planctônica, e são essenciais nos processos do ciclo de carbono em nível global4. Os oceanos absorvem um terço do dióxido de carbono, principal gás do efeito estufa, adicionado à atmosfera.

n217 272x300 Há muito o que se descobrir nas águas brasileiras, afirmam pesquisadoresEsponjas do Oiapoque ao Chuí

Da imensidão das cadeias oceânicas aos não raramente microscópicos organismos, o 4º Congresso de Biologia Marinha apresentou uma infinidade de objetos de pesquisa a serem explorados em nossos mares, como o universo colorido das esponjas.

Animais invertebrados e filtradores que possuem um conjunto corporal bem simplificado, sem sistema nervoso, músculos e nem órgãos internos, as esponjas possuem inúmeras formas que enriquecem os mares, porém a maioria dos brasileiros não tem ideia desse tesouro.

São cerca de 8,6 mil espécies conhecidas no mundo, pouco mais de 420 no Brasil, do Amapá ao Rio Grande do Sul. Entretanto, Eduardo Hajdu, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressaltou o quanto ainda se precisa conhecer sobre a diversidade desses animais.

As seis espécies de esponjas mais profundas que se tem conhecimento até hoje na costa brasileira, a dois mil metros de profundidade, ainda são resultado das descobertas feitas pela Expedição Challenger (1872 a 1876). Mas Hajdu aponta que isso é apenas uma ínfima fração do que se pode encontrar, e pesquisas patrocinadas pela Petrobrás, realizadas com veículos remotamente operados, estão desvendando esse ambiente até então desconhecido.

O esforço de pesquisas ainda é muito pequeno, aponta. Por exemplo, no estado do Rio de Janeiro já estão registradas 103 espécies de esponjas, porém o potencial é de que haja 300. Entre os municípios mais ricos, se destacam Salvador (92 espécies), Recife (68), Fernando de Noronha (59), São Sebastião (55) e Arraial do Cabo (53)5.

Na próxima reportagem da série sobre os nossos oceanos, confira um panorama do cenário político atual para gerenciar esses ecossistemas e algumas novidades que avanços genéticos têm trazido para a fiscalização da pesca ilegal.

Notas


2 Hazin et al. Ataques de tubarão em Recife e medidas mitigadoras adotadas. In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4º edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.
3 Martins et al. Trinta anos de pesquisas na Cadeia Vitória-Trindade: Biogeografia, Pesca e Conservação. In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4º edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.
4 Amado Filho, Gilberto M. Bancos de rodolitos da Plataforma Continental e de ilhas oceânicas brasileiras: gigantescas biofábricas de carbonato de cálcio ameaçadas pelas mudanças climáticas. . In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4ª edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.
5 Hajdu, Eduardo. Do Oiapoque ao Chuí, das praias ao mar profundo – Panorama da diversidade de poríferos marinhos brasileiros. In: Congresso Brasileiro de Biologia Marinha, 4º edição, 2013. Florianópolis. Anais. Associação Brasileira de Biologia Marinha, 2013. 194 p.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.

FONTE: REVISTA ENVOLVERDE 29.05.2013

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