Um ano após a publicação do novo Código Florestal, menos de 5% dos proprietários do País fizeram o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Previsto pela lei como ferramenta para legalizar agricultores que cometeram desmatamentos ilegais, foi desenvolvido até o momento somente pelas iniciativas dos Estados, que se adiantaram à publicação de uma regra federal.
A legislação estabelece que é de fato dos Estados a responsabilidade de cadastrar as cerca de 5,2 milhões de propriedades de terra do País – no prazo de um ano, prorrogável por mais um -, a partir do momento em que o governo publicar um decreto com as regras do Sistema Nacional de CAR (Sicar). Isso, no entanto, não ocorreu até o momento, o que foi alvo de críticas de ambientalistas ao longo desta semana, por causa do aniversário da lei, que ocorre hoje.
Outra reclamação é que até hoje não foram publicadas as regras gerais do chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA), que é o que, na prática, vai orientar a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente e permitir que as propriedades se regularizem. Nesse caso, havia o prazo de um ano, também prorrogável por mais um, para que o governo federal divulgasse as diretrizes e os Estados publicassem programas. Poucos chegaram a fazer isso. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que isso só deve ocorrer nos próximos dias (leia mais abaixo).
“Nesse período, acho que não avançamos tanto quanto poderíamos. Alguns Estados estão avançando, mas outros não têm gente para começar a fazer o CAR. Onde a coisa está adiantada, é porque o Estado criou um sistema próprio, independentemente do Sicar”, diz Mario Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica. ONGs ambientalistas lançaram no início da semana observatório para acompanhar a implementação da lei.
“Na teoria, a principal vantagem do CAR é permitir que se monitore, em tempo real, o desmatamento nas propriedades (visto que elas estarão georreferenciadas em uma base cartográfica, cuja evolução de uso poderá ser cruzada com imagens de satélites). Mas se isso não funcionar, se a regularização demorar, áreas desmatadas mais recentemente podem acabar sendo consolidadas e com o tempo o setor agrícola pode querer rever a lei de novo”, afirma André Lima, assessor jurídico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
Ele se refere à mudança que aconteceu no código em relação às áreas desmatadas até 2008, consideradas consolidadas pelo uso agrícola. É para elas que a obrigação de restauração de mata ficou menor do que a lei definia como área de preservação permanente e Reserva Legal. ” De julho de 2008 para cá desmatou-se mais de 2 milhões de hectares na Amazônia. Se a lei demorar muito para ser implementada, daqui a pouco podem querer atualizar o conceito de área consolidada. Se não implantar, virou realidade.”
Para Rodrigo Justos de Brito, da Conferência Nacional da Agricultura (CNA), também afirmou acreditar que vai demorar para ter início a regularização das terras. “Acho que vai ser muito difícil fazer o CAR em dois anos. Dos 5,2 milhões de propriedades, uns 3,7 Mha são pequenas, que não têm condições de fazer sozinhas. Os Estados vão ter de ajudar, mas ainda não vejo estrutura para isso em muitos deles”, diz. Ele afirma que as entidades do setor estão se reunindo para ajudar, mas aponta outro gargalo. “Depois de os proprietários fornecerem as informações sobre suas terras, o Estado tem de checar para ver se está tudo certo. É isso que vai definir o que precisa ser regularizado. Mas tirando os Estados da Amazônia, que já estão mais acostumados com esse monitoramento, em outros não há essa expertise nem técnicos suficientes. Pode ocorrer um colapso desses sistemas.
‘AS NORMAS ESTÃO PRONTAS, NÃO VAMOS PERDER O PRAZO’
Em entrevista ao Estado, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, rebateu as críticas e disse que o governo está cumprindo os prazos. Leia os principais trechos a seguir:
Um ano após ter sido publicado, parece que código não andou muito. Por que a demora?
Dizer que nada foi feito representa desconhecimento do que estamos fazendo. É preciso lembrar que a lei se divide em dois momentos. O primeiro, em maio do ano passado, quando o código foi sancionado com vetos e a presidente editou uma medida provisória. Depois, essa MP foi modificada no Congresso, voltou para nova sanção e vetos e foi editado um decreto em outubro. Esse decreto instituiu o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) e trouxe regras gerais de regularização, a chamada escadinha (em que o tamanho da área a ser recuperada cresce conforme a extensão da propriedade). A lei já dizia que União e Estados teriam um ano, prorrogável por mais um, para editar normas relativas ao PRA (Programa de Regularização Ambiental). Só ao fim do processo no Congresso pudemos fazer isso. Nesses sete meses, realizamos várias consultas com o setor agrícola, ambientalistas e cientistas para propor a norma geral da união sobre PRA. Agora, estamos na reta final de apreciação legal para publicá-la. Nesse período, também desenvolvemos todo o Sicar, capacitamos 5 mil gestores públicos, compramos imagens de satélite, fizemos termos de cooperação com todos os Estados e associações de classe – da agricultura familiar ao agronegócio – e triplicamos a capacidade de armazenamento de dados do Ibama. A norma está pronta para eu assinar. É um esforço da União para a lei ser cumprida. Diferentemente do passado, quando a lei não foi cumprida. Adoraria ver essa mobilização (de ambientalistas) no passado para cumprir a lei. Mas é ótimo que aqueles que se colocaram contra a lei estejam pedindo para ela ser cumprida.
A maioria dos Estados aguarda posição do governo para publicar seus planos de regularização. A senhora diz que as normas estão prontas. Quando serão publicadas?
Na semana que vem ou na outra. Estamos discutindo só os ajustes finais. Junto, será lançado o Sicar e portaria com a regra geral de como ele funciona. Esperamos no máximo 15 dias para concluir essa etapa. Nessa ocasião, começa a contar o prazo da lei de execução do CAR, ou seja, um ano, prorrogável por mais um, para que as as propriedades rurais façam o cadastro.
O governo acredita que vai ser possível cadastrar os 5,2 milhões de propriedades nesse período?
Acho que alguns Estados vão conseguir até antes. Mas temos muito trabalho pela frente. Sete Estados – Bahia, Rondônia, São Paulo, Mato Grosso, Espírito Santo, Minas e Pará – usarão sistemas próprios, então terão de ser integrados ao Sicar. São várias situações, então obviamente teremos dificuldade. Teremos de fazer um grande mutirão.
Quando vamos começar a ver a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente?
Depois que o agricultor fizer o CAR, o Estado vai aplicar seu plano de regularização. O agricultor terá ainda um ano para aderir ao PRA. Mas essa adesão é voluntária. Ele pode optar por pagar a multa. Mas não acho que vai demorar tanto tempo. Já tem gente recuperando nos Estados que já fizeram o PRA. À medida que Estados forem fazendo cadastros, já poderão começar a regularizar. Onde tem risco, é prioridade zero começar.
Para esse processo dar certo, não precisaria já estar pronto um mecanismo de incentivos econômicos, como está previsto na lei?
Não. É preciso fazer o CAR primeiro. É ele que vai me dar a realidade de quem deve o quê. Não dá para recuperar sem sabermos o que temos de passivo ambiental por aí.